8M: desigualdade de gênero, desafios invisíveis e como as empresas podem contribuir para a equidade

Christian Ali Bravo

Por ocasião do Dia Internacional da Mulher e por meio do testemunho de três colaboradoras, analisamos a situação atual da desigualdade de gênero no mercado de trabalho na América Latina e como as organizações podem ajudar a criar um cenário mais equitativo.

Todo dia 8 de março é celebrado o Dia Internacional da Mulher, cujo objetivo, segundo destaca a Organização das Nações Unidas, é reconhecer “as mulheres comuns como protagonistas da história, enraizando-se na luta secular das mulheres por participar da sociedade em igualdade de condições com os homens”.

Seguindo esse propósito, este ano propomos analisar a atual desigualdade de gênero no mercado de trabalho, a presença do teto de vidro, a carga mental que essa realidade impõe e as ações que as empresas podem tomar para contribuir com a equidade.

Para isso, contaremos com o testemunho de três de nossas colaboradoras, que compartilharão sua experiência e visão sobre um tema tão sensível quanto essencial. E, além de ajudar a entender o contexto da América Latina, elas trarão propostas e iniciativas concretas para que as empresas se tornem agentes-chave na construção de um mercado de trabalho mais justo e equilibrado.

 

A desigualdade de gênero

Como já destacamos em outras ocasiões, a cibersegurança tem sido um setor predominantemente masculino. Para citar um exemplo, em 2023, o número de profissionais de cibersegurança em nível global chegou a 5.452.732 (sendo 1.285.505 na América Latina), mas apenas 25% eram mulheres. Infelizmente, essa tendência não se limita ao campo tecnológico, mas se repete em todo o mercado de trabalho.

De fato, o Fundo Monetário Internacional aponta que menos da metade das mulheres participa ativamente do mercado de trabalho global, em comparação com 72% dos homens. E, segundo o Relatório sobre a Desigualdade Global de Gênero, divulgado este ano pelo Fórum Econômico Mundial, a paridade salarial total entre os gêneros só deve ser alcançada em 2058. Ou seja, dentro de cinco gerações.

No que diz respeito especificamente à América Latina e ao Caribe, a Organização Internacional do Trabalho destaca que, embora alguns avanços tenham sido feitos, ainda persistem “desigualdades de gênero”. Especificamente, o relatório aponta que, em 2024, “a taxa de participação feminina permaneceu em 52,1%, muito abaixo da dos homens (74,3%)”. E acrescenta: “As mulheres ganham, em média, 20% menos do que os homens e continuam enfrentando taxas mais altas de desemprego e empregos de menor qualidade.”

Julieta Escolar, gerente de Recursos Humanos da ESET para a América Latina, na sede de Buenos Aires, analisa: “A desigualdade salarial, não apenas pelo baixo acesso a cargos de liderança, mas também em posições de mesmo nível hierárquico, continua sendo um desafio. Embora as empresas estejam começando a mapear essa realidade e buscando soluções, poucas conseguem resolver esse problema no curto ou médio prazo.”

 

O teto de vidro

Outro aspecto dessa problemática é o chamado teto de vidro, que, de maneira invisível, mas perceptível, limita o crescimento e desenvolvimento das mulheres no meio empresarial. Especificamente, o teto de vidro se refere a um conjunto de normas não escritas dentro das organizações que dificultam o acesso das mulheres a cargos de alta direção. Sua invisibilidade decorre da ausência de leis e códigos explícitos que imponham essa limitação.

Um dado que ajuda a dimensionar esse cenário é apresentado pela Russell Reynolds Associates (empresa global especializada em recrutamento e consultoria de liderança), por meio de seu índice de rotatividade de Diretores Executivos: em 2024, as mulheres representaram apenas 24 nomeações para cargos de CEO no mundo todo (ou seja, 11%), em comparação com 196 nomeações de homens.

Carla Araujo, gerente de Marketing da ESET Brasil, reconhece: “Na minha trajetória profissional, sempre trabalhei majoritariamente com gestores e colegas homens. Em diversas ocasiões, percebi questionamentos velados – nunca diretos, mas presentes – sobre a capacidade das mulheres de assumirem posições de liderança. Além disso, testemunhei várias situações em que colegas homens foram promovidos, enquanto mulheres, com preparação igual ou até superior, foram ignoradas.”

Nessa mesma linha, Julieta Escolar acrescenta: “O maior desafio que enfrentamos como mulheres no ambiente de trabalho é a falta de representação em cargos de liderança. Historicamente, esses postos sempre foram ocupados por homens e, embora essa tendência esteja mudando aos poucos, ainda há uma ausência significativa de mulheres nos espaços onde são tomadas as decisões estratégicas das empresas. No meu trabalho, já ouvi comentários de líderes homens pedindo para não contratarmos mulheres para cargos-chave, para evitar a rotatividade devido a licenças-maternidade. Como mulher, tive que tolerar esses comentários sem poder contestá-los.”

Por sua vez, Gabriela Rodríguez, gerente de Vendas da ESET América Latina, com sede no México, compartilha: “Na minha visão, o maior desafio é o respeito ao direito das mulheres de serem mães. O fato de ser mãe não impede, de forma alguma, que alguém exerça qualquer atividade profissional, inclusive com excelência. No entanto, a gravidez tem sido uma das principais razões pelas quais o direito ao trabalho tem sido injustamente negado às mulheres. Como lidei com isso? Não tolerando, não aceitando e deixando claro que a maternidade não é um impedimento.”

“Esse tipo de desafio cria barreiras silenciosas que dificultam o crescimento profissional das mulheres”, ressalta Araujo.

 

Carga mental

Mas isso não é tudo: a já comprovada desigualdade de gênero também vem acompanhada de outro problema, muitas vezes invisível, que é a carga mental enfrentada pelas mulheres ao buscar desenvolvimento profissional em um mercado que não oferece regras equitativas.

“A carga mental invisível da mulher, na busca constante pelo equilíbrio entre a vida familiar e profissional, é um dos maiores desafios que enfrentamos. Em muitos casos, recai sobre nós a responsabilidade de organizar e coordenar toda a logística familiar e, mesmo quando delegamos atividades, não nos é permitido abrir mão do nosso papel essencial para que tudo funcione. Por isso, a sensação de exaustão, em muitos casos, é intensa”, afirma Escolar.

Um estudo recente da Universidade de Bath e da Universidade de Melbourne confirma essa realidade: as mulheres assumem sete em cada dez (71%) das tarefas de carga mental dentro de casa. Isso inclui tudo o que é necessário para que a vida familiar funcione sem problemas, como planejamento, organização e programação das atividades.

Além disso, essa pesquisa, que contou com a participação de 3.000 pais e mães nos Estados Unidos, revelou que as mulheres são responsáveis por 79% das tarefas diárias, como limpeza e cuidado com os filhos — mais do que o dobro da participação masculina, que chega a 37%.

Como reflexão final, o estudo destaca a importância de as empresas e organizações criarem políticas que incentivem tanto mães quanto pais a compartilhar as responsabilidades do trabalho não remunerado em casa. Sobre esse ponto, aprofundaremos a seguir.

 

O papel das empresas na promoção da equidade

A desigualdade de gênero é uma realidade, assim como o fato de que empresas e organizações podem desempenhar um papel fundamental na construção de um ambiente mais equitativo.

“Na minha visão, as empresas devem começar a trabalhar para garantir que sua equipe de liderança seja o mais diversa possível, incluindo não apenas mulheres nesses cargos, mas também buscando diversidade em suas realidades pessoais. Isso proporcionaria diferentes perspectivas para lidar com desafios dentro da companhia. Para isso, é essencial avaliar se os sistemas de promoção são justos e equitativos, tornando-os o mais objetivos possível para evitar qualquer tipo de viés no momento da escolha”, sugere Escolar.

Ela acrescenta: “No médio prazo, as empresas podem definir como objetivo não apenas mapear a diferença salarial, mas também propor ações concretas de curto e médio prazo para solucionar esse grande problema. Outra iniciativa seria analisar os benefícios oferecidos e avaliar quais impactam de maneira mais ou menos significativa pessoas de diferentes gêneros e realidades. Com base nessa análise, poderiam ser propostas soluções mais inclusivas”.

Por sua vez, Gabriela Rodríguez também sugere medidas práticas: “É fundamental garantir que os processos de contratação não tenham viés de gênero, implementando práticas que assegurem igualdade de oportunidades para todos os candidatos, independentemente do gênero. Além disso, é importante promover políticas de equidade salarial, dar visibilidade ao papel das mulheres em profissões tradicionalmente dominadas por homens, oferecer programas de capacitação, desenvolvimento e mentoria para mulheres e incentivar sua ascensão a cargos de liderança”.

Nessa mesma linha, Carla Araujo reforça: “A igualdade no ambiente corporativo não se trata apenas de oferecer as mesmas oportunidades, mas de garantir que todos os profissionais tenham condições justas para crescer. Para reduzir a desigualdade de gênero, as empresas precisam implementar programas de desenvolvimento para mulheres e reavaliar seus processos de promoção e contratação”.

E conclui: “A diversidade deve ir além do gênero. Criar um ambiente inclusivo significa considerar diferentes perfis, experiências e origens. Quando as empresas investem em diversidade, ganham novas ideias, diferentes perspectivas e, no final, alcançam resultados muito melhores”.